A saúde é um direito fundamental, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, segundo o artigo 2 da lei n º 8.0801. Sendo assim, o Estado deve cuidar das pessoas em sua totalidade, considerando fatores sanitários, sociais, econômicos e culturais. No SUS, esse princípio exige ações preventivas e curativas, individuais e coletivas, com equipes interdisciplinares e atendimento contínuo, conforme previsto na Política Nacional de Saúde Integral LGBTQIAPN+.
Ainda assim, na prática, a comunidade LGBTQIAPN+ enfrenta barreiras no acesso à saúde. Por conta disso, é preciso fortalecer políticas públicas intersetoriais e inclusivas, que garantam autonomia e dignidade, considerando também questões como raça, renda e idade.

Preocupações a respeito do acesso à saúde
Os principais pontos apontados estão relacionados a falta de preparo do atendimento, preconceito e uma visão de cuidado de saúde reducionista. Alguns dados para ilustrar:
- 40% das mulheres lésbicas que buscam serviços de saúde não revelam sua orientação sexual. Entre as que revelam, 28% relatam maior rapidez do atendimento do médico e 17% afirmam que deixaram de solicitar exames considerados por elas como necessários;4
- 74,1% da população de travestis e transexuais participantes do Censo Trans relataram que foram maltratadas em algum tipo de serviço de saúde;5
- 28,12% das pessoas acessadas tiveram sua identidade de gênero desrespeitada durante a gestação.2

Desafios LGBTQIAPN+ em saúde integral
Saúde integral significa cuidar do bem-estar físico, mental e social de forma completa. Embora o sistema de saúde deva proporcionar esse acesso universal, a realidade mostra desafios significativos. Nesse contexto, a UNFPA documenta as barreiras enfrentadas pela comunidade LGBTQIAPN+ na saúde sexual, reprodutiva e mental. Confira nos tópicos a seguir, os dados que revelam o panorama atual de cada área.
Saúde sexual e direitos sexuais
É o conjunto de estratégias que busca integrar diferentes dimensões, como aspectos psicossociais e comunitários, a fim de aprimorar a saúde e o bem-estar de indivíduos. Nela também estão compreendidas as ações e medidas de profilaxia, prevenção, tratamento e disseminação de conhecimento sobre o HIV/Aids, IST e hepatites virais.2
Entre 2018 e 2021, o investimento do governo federal em campanhas de prevenção ao HIV/Aids no Brasil caiu drasticamente de R$22 milhões para R$100 mil, impactando diretamente a comunidade LGBTQIA+, especialmente homens gays/bissexuais, travestis e mulheres trans – grupo que representa 54,3% dos casos de HIV/Aids (Ministério da Saúde, 2022).
Apesar disso, a oferta de métodos preventivos pelo SUS (como PrEP e PEP) tem sido um avanço crucial. Em 2024, 147.046 pessoas receberam dispensação de PrEP, sendo 68% em uso ativo e 32% que descontinuaram. O perfil dos usuários é majoritariamente composto por homens gays (81,4%), seguidos por mulheres trans (2,9%) e homens trans (1,6%), evidenciando a importância desses recursos para populações-chave.
Saúde Mental
Depressão, ansiedade e tristeza. A LGBTbofia pode causar transtornos mentais sérios aos LGBTQI+ (Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queer, intersexuais e outras identidades de gênero e orientação sexual). Por isso, torna-se necessário discutir a temática da saúde mental dessa classe. Algumas pesquisas e dados mostram com números essa triste realidade.
- Prevalência de depressão foi superior em pessoas bissexuais, 20,1%, e em lésbicas e gays, 13,2%, se comparada aos diagnósticos para pessoas heterossexuais, 10,1%.2 (Pesquisa PNS 2019)
- Depressão e ansiedade afetam 3x mais os LGBTs do que os heterossexuais e pelo menos metade dos LGBTs teve depressão no ano de 2017. (ONG LGBT+ Charity Stonewall)
- LGBTs têm 5x mais chances de cometer suicídio de que pessoas heterossexuais.6 (Universidade de Columbia)

Saúde reprodutiva
Quando o assunto é geração de filhos e filhas, concepção, reprodução assistida, gestação, maternidade, os desafios são ainda maiores do que os enfrentados na saúde sexual e mental. Segundo a UNFPA, dificuldades e limitações de acesso a métodos contraceptivos para homens trans e pessoas transmasculinas foram bastante apontadas pelas pessoas ouvidas, mesmo com a implementação de ambulatórios especializados e serviços de referência.2
Um dado que ajuda a ilustrar o cenário é o do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT): 78,13% dos homens trans e pessoas transmasculinas ouvidos não haviam planejado sua gravidez. Além disso, 28,12% das pessoas acessadas tiveram sua identidade de gênero desrespeitada durante a gestação.
Também apontaram divergência entre o que deveria ser garantido pelo serviço de saúde e o que acontece na prática, com relação a forma que os profissionais atendem as necessidades de acolhimento e orientação sobre planejamento reprodutivo dessa população.2
A data, 28 de junho, que marca a resistência de Stonewall (série de revoltas lideradas por pessoas contra a violência policial em um bar em Nova York) não fala apenas sobre orgulho, mas sobre existir com dignidade. Isso inclui o direito à saúde sem discriminação. Sistemas de saúde mais inclusivos, políticas de prevenção combinada e profissionais capacitados para acolher a diversidade são marcos importantes dessa transformação.
Mas a jornada continua: precisamos de menos estigmas, mais acessos e serviços que enxerguem as necessidades reais da comunidade. Que a comunidade LGBTQIAPN+ seja lembrada não somente em junho, mas durante todo o ano. Uma saúde que acolhe e cuida de todos deve ser prioridade em todas as sociedades.
Referências
- Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm .
- População LGBTQIA+: diversidade, direitos e acesso a serviços de saúde no Brasil. Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/populacao-lgbtqia-diversidade-direitos-e-acesso-servicos-de-saude-no-brasil .
- Relatório Técnico nº3/2023 Saúde da População LGBTQIA+. Disponível em: https://agendamaissus.org.br/wp-content/uploads/2023/06/ieps-boletim03-saude-populacao-LGBTQIA.pdf .
- Rede Feminista de Saúde. Dossiê saúde das mulheres lésbicas: promoção da equidade e da integralidade, 2006 – Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/dossie_da_saude_da_mulher_lesbica.pdf.
- Souza, D. Araújo, T (Orgs.). REFLEXÕES SOBRE OS DADOS DO CENSO TRANS: Sem motivos para orgulho: diálogos e análises do contexto socioeconômico de mulheres travestis e transexuais no Brasil. Rede Trans, 2022. Disponível em: https://escolajudicial.trt5.jus.br/sites/default/files/sistema/cursos/2024-04/tathiane-araujo.pdf
- NUH UFMG analisa saúde mental da comunidade LGBTQI+. Disponível em: https://www.ufmg.br/saudemental/noticia/nuh-ufmg-analisa-saude-mental-da-comunidade-lgbtqi/ . Acesso em Junho 2025.